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Momento Angular e o Spin do Elétron
Em 1896, o físico holandês Zeeman mostrou experimentalmente que as linhas
espectrais emitidas por átomos imersos em um campo magnético se dividiam em
mais de uma linha, isto é, o que era uma única linha quando não havia um campo
magnético se transformava em mais de uma linha quando o átomo era colocado
em um campo magnético. Isto ficou conhecido como efeito Zeeman e as linhas
novas nas quais as linhas originais se desdobravam ficaram sendo chamadas de
estrutura fina do espectro de um dado átomo.
O efeito Zeeman pode ser entendido imaginando que um elétron que se
movimenta ao redor do núcleo gera uma corrente elétrica circular em torno do
núcleo. Embora este problema possa ser inteiramente tratado pela mecânica
quântica, vamos fazer uma descrição dele aqui usando o modelo de Bohr para o
átomo de hidrogênio (isto é, supondo que o elétron tem uma órbita circular bem
definida em torno do núcleo) porque assim fica mais fácil de se entender os
conceitos.
Quando um elétron gira em uma órbita circular ao redor de um ponto, a corrente
produzida por ele gera um campo magnético que, segundo a teoria
eletromagnética, é equivalente ao de um pequeno ímã colocado no centro do
círculo e orientado perpendicularmente ao plano da órbita. As propriedades deste
ímã são descritas em física pelo que se chama de momento de dipolo magnético
µ
. Não vamos entrar nos detalhes sobre a teoria eletromagnética aqui (quem
quiser saber mais detalhes deve procurar algum livro-texto de física na
biblioteca). Para os objetivos deste curso, basta saber que o momento de dipolo
magnético de um ímã é um vetor
µ
que aponta do pólo sul para o pólo norte do
ímã (ele é o equivalente para o magnetismo do que é o momento de dipolo
elétrico para a eletricidade).
1

Page 2
Aplicando as leis da física ao movimento circular de uma carga −e (o elétron) ao
redor de um ponto (o núcleo), pode-se mostrar que o momento de dipolo
magnético
µ
gerado pelo movimento orbital do elétron está associado ao
momento angular orbital do elétron L pela relação
L
µ
e
m
e
2
=
,
isto é, os vetores do momento de dipolo magnético orbital e do momento angular
orbital apontam em direções opostas (veja a figura abaixo).
Se o átomo de hidrogênio for colocado no interior de um campo magnético
externo B apontando numa dada direção (que vamos chamar de direção z), o
momento de dipolo magnético
µ
sofre um torque
τ
=
µ
× B que tende a fazer
com que o vetor
µ
se alinhe com o vetor B. O problema dinâmico pode ser
tratado assumindo que o momento de dipolo magnético
µ
tem uma energia
potencial V
B
na presença do campo magnético B dada por
B
µ
=
B
V
.
O trabalho associado ao torque que gira o vetor
µ
para que ele se alinhe com o
vetor B está associado a uma mudança na energia potencial V
B
. Pelas leis da
mecânica clássica, o torque
τ
provoca uma variação no momento angular L dada
por
2

Page 3
dt
dL
τ =
,
e esta equação implica que os vetores
µ
e L executam um movimento de
precessão (veja a figura abaixo) em torno da direção de B (a situação é análoga
ao movimento de precessão do eixo de um pião em torno da direção vertical da
gravidade). Pode-se calcular a freqüência angular deste movimento de precessão,
chamada de freqüência de Larmor,
ω
L
, e ela é dada por,
e
L
m
eB
2
=
ω
.
O campo magnético externo define uma direção preferencial no espaço (o eixo-
z). Quando se resolve este problema com o uso da equação de Schrödinger,
obtém-se que o vetor momento angular L não pode ter qualquer módulo, mas
apenas aqueles dados por
( )
h
1
+
=
l
l
L
,
3

Page 4
onde l é o número quântico azimutal, e que as projeções do vetor L sobre o eixo-z
só podem ter os valores dados por
h
l
z
m
L =
,
onde m
l
é o número quântico magnético (aliás, é daqui que vem o seu nome). A
partir de aqui, vamos passar a escrever o número quântico magnético como m
l
.
Como exemplo, a figura abaixo mostra a situação em que l = 2. Observe que há
apenas cinco projeções possíveis de L sobre o eixo-z (associadas aos valores
possíveis de m
l
: −2, −1, 0, 1 e 2).
Como o momento angular orbital L do elétron é quantizado, o seu momento de
dipolo magnético orbital
µ
também é quantizado. Em particular, as projeções de
µ
sobre o eixo-z (definido pela direção do campo magnético externo B) são
dadas por
l
B
l
e
z
m
m
m
e
µ
µ
= 2 h
,
onde
µ
B
= eħ/2m
e
= 9,27 x 10
-24
J/T (T é a abreviação de Tesla, a unidade de
campo magnético no S.I.) é o chamado magnéton de Bohr. Ele é uma unidade
natural para se calcular o momento de dipolo magnético.
4

Page 5
A quantização das projeções de
µ
sobre B implica que a energia potencial V
B
associada à orientação de
µ
em relação a B enquanto ela precessiona formando
um ângulo constante
θ
também é quantizada e só pode assumir os valores,
B
m
B
V
l
B
z
B
µ
µ
=
=
=
B
µ
.
Portanto, em uma situação em que o elétron esteja em um orbital associado a um
dado valor do número quântico l, a sua energia potencial V
B
terá 2l+1 valores
distintos, um para cada valor de m
l
.
Isto quer dizer que a energia total do átomo de hidrogênio quando ele está imerso
em um campo magnético é dada por,
B
n
V
E
E
+
=
,
onde E
n
são as energias associadas apenas ao número quântico n, observadas
quando não há campo magnético externo, e V
B
é a energia potencial associada à
precessão de
µ
(ou L) em torno de B.
Desta forma, a degenerescência de um nível de energia caracterizado por um
valor de l ≠ 0 pode ser removida quando se coloca o átomo imerso em um campo
magnético (veja o exemplo da figura a seguir, para o caso em que l = 1).
5

Page 6
A parte (a) da figura mostra que um campo magnético externo B quebra a
degenerescência do nível de energia 2p, revelando os três estados eletrônicos
distintos associados a ele. Na parte (b) da figura, mostram-se as três novas
transições possíveis entre o nível excitado 2p e o nível fundamental 1s. Cada uma
das novas transições está associada a uma das linhas espectrais observadas no
efeito Zeeman. Nota: as diferenças de energia nas duas figuras foram desenhadas
de maneira exagerada para que elas possam ser visualizadas (na verdade, elas são
muito pequenas).
Após o experimento original de Zeeman, vários experimentos mais precisos
foram feitos durante as primeiras duas décadas do Séc. XX para se observar a
estrutura fina de vários átomos. O que os resultados mostravam é que a separação
das linhas espectrais sempre ocorria de tal forma que uma linha se subdividia em
um número par de linhas (quatro, seis, oito etc). Isto colocava um problema para
a teoria quântica, pois o número de possíveis valores de m é sempre um número
ímpar (quando l = 1 temos três valores de m, quando l = 2 temos cinco valores de
m etc). Isto foi chamado de efeito Zeeman anômalo.
Um outro experimento que mostrou claramente que algo mais deveria estar
ocorrendo no átomo que escapava à teoria quântica foi o experimento realizado
pelos físicos alemães Stern e Gerlach em 1925. No experimento de Stern-
Gerlach, um feixe de átomos de prata passava entre os pólos de um grande ímã
que produzia um campo magnético não-uniforme (veja a figura a seguir). Após
passar pelo ímã, o feixe era detectado em um anteparo que registrava a sua
posição. Considerando que um átomo possui um momento de dipolo magnético
orbital
µ
devido ao movimento dos seus elétrons em torno do núcleo (como no
modelo visto acima), haverá uma interação entre o campo magnético B do ímã e
o momento magnético
µ
, que dependerá da orientação de
µ
em relação a B (o
ângulo
θ
). Cada átomo sofrerá uma força exercida pelo campo magnético B que
fará com que sua trajetória seja defletida por uma quantia que depende da
projeção de
µ
sobre B, dada por m
l
.
6

Page 7
Portanto, se os átomos do feixe usado por Stern e Gerlach estivessem no seu
estado fundamental (n = 1, l = 0), o valor de m
l
seria zero e o feixe não sofreria
deflexão. Se uma parte dos átomos estivesse no primeiro estado excitado (n = 2, l
= 1), haveria 2l + 1 = 3 valores diferentes de m
l
e o feixe seria dividido em três.
No entanto, o feixe de Stern e Gerlach se dividiu em dois, como mostra a figura
abaixo.
O primeiro a propor uma explicação convincente para o efeito Zeeman anômalo
(o experimento de Stern-Gerlach ainda não havia sido realizado) foi Pauli, que
em 1924 publicou um artigo dizendo que deveria haver um quarto número
quântico associado ao elétron, que só poderia ter dois valores possíveis. Ainda no
mesmo artigo, Pauli enunciou o que mais tarde ficaria conhecido como o
Princípio de Exclusão de Pauli, segundo o qual cada estado eletrônico
caracterizado por um conjunto de quatro números quânticos só poderia ser
ocupado por um único elétron.
Pauli, porém, não forneceu uma explicação física para a origem do quarto
número quântico. Quem fez isso foram dois jovens físicos holandeses, Uhlenbeck
e Goudsmit, que em 1925 estavam fazendo doutorado sob a orientação de
Ehrenfest, em Leiden.
7

Page 8
Uhlenbeck e Goudsmit propuseram que o elétron possui um momento angular
intrínseco, chamado de spin, e, portanto, um momento de dipolo magnético
intrínseco (pois ele tem carga elétrica). Do ponto de vista clássico, não há
problema com esta idéia. Ela corresponde, no caso do sistema planetário, ao
movimento de rotação da Terra em torno do seu eixo enquanto ela dá voltas em
torno do Sol. No entanto, quando se aplica esta idéia clássica a um elétron
carregado que gira em torno de seu próprio eixo os resultados são absurdos. Por
exemplo, o próprio Ehrenfest mostrou que, para que os resultados de Uhlenbeck
e Goudsmit fossem compatíveis com um modelo clássico de um elétron (ou de
uma nuvem eletrônica) girando em torno do seu próprio eixo, a velocidade de
rotação deveria ser maior do que a velocidade da luz. Portanto, o momento
angular intrínseco (spin) do elétron deve ser visto como uma grandeza de
natureza puramente quântica, sem um análogo na física clássica.
Para explicar os resultados do experimento de Stern-Gerlach, Uhlenbeck e
Goudsmit propuseram que o momento angular intrínseco, ou spin, S do elétron
(no caso dos átomos de prata do experimento de Stern-Gerlach, este elétron é o
da camada mais externa) deve ser quantizado de uma maneira similar ao
momento angular orbital L, com um número quântico de spin s cujo valor é ½,
(
)
h
h
2
3
1 =
+
=
s
s
S
.
Assim como no caso do momento angular orbital, em que existem 2l + 1 valores
do número quântico magnético m
l
associados a um valor de l, e os valores
possíveis de m
l
diferem entre si de uma unidade, Uhlenbeck e Goudsmit
propuseram que existe um número quântico magnético de spin, m
s
, associado ao
número quântico de spin s, que pode assumir 2s + 1 = 2.(1/2) + 1 = 2 valores
diferentes dados por m
s
= –1/2 e m
s
= +1/2. O caso m
s
= +1/2 é chamado de “spin
para cima” e o caso m
s
= –1/2 é chamado de “spin para baixo”.
A figura a seguir mostra o vetor de spin do elétron com as suas duas projeções
sobre o eixo-z.
8

Page 9
Associado ao momento angular intrínseco S do elétron, existe um momento de
dipolo magnético intrínseco
µ
s
(a situação é análoga à do momento angular
orbital). A relação entre
µ
s
e S é dada por,
S
µ
h
B
s
µ
2
=
,
onde
µ
B
é o magnéton de Bohr. Desta maneira, as projeções de
µ
s
sobre o eixo-z
podem ter apenas dois valores,
B
s
B
sz
m
µ
µ
µ
±
=
= 2
.
A existência de um número par de linhas espectrais decorre deste fato. Para cada
estado atômico caracterizado pelos números quânticos (n, l, m
l
) existem dois
estados eletrônicos possíveis caracterizados, ou por um spin para cima, m
s
= ½,
ou por um spin para baixo, m
s
= −½. O momento magnético de spin do elétron,
µ
s
, interage com o campo magnético externo, B, e essa interação pode ser
associada a uma energia potencial,
V
BS
= −
µ
S
. B = 2
µ
B
m
S
B,
que pode ter dois valores possíveis. Portanto, a energia de um átomo em um
campo magnético fica sendo dada por
BS
B
n
V
V
E
E
+
+
=
,
de maneira que cada nível de energia caracterizado anteriormente por uma tríade
de números (n, l, m
l
) corresponde, de fato, a dois níveis de energia diferentes (um
dubleto, no jargão dos espectroscopistas). Isto implica que, dado um valor de n, o
número de níveis de energia degenerados associados a ele (que podem ser
quebrados colocando-se o átomo em um campo magnético) é de 2n
2
.
9

Page 10
Se estudarmos o átomo de hidrogênio do ponto de vista do sistema de referência
que está fixo sobre o elétron, o que teremos é que, do ponto de vista do elétron, é
o próton que está girando em torno dele (na visão do modelo de Bohr). Como o
próton tem carga elétrica positiva, o seu movimento em torno do elétron cria um
campo magnético que interage com o momento de dipolo magnético de spin do
elétron. Note que agora não existe campo magnético externo. O movimento do
próton ao redor do elétron cria um campo magnético interno ao próprio átomo
(veja a figura abaixo).
A interação entre o campo magnético interno produzido pelo movimento do
próton em relação ao elétron e o momento de dipolo magnético de spin do elétron
pode ser associada a uma energia potencial similar à energia V
BS
do caso anterior.
Isto quer dizer que, mesmo quando o átomo de hidrogênio não está em um campo
magnético externo, deve haver uma separação dos seus níveis de energia em dois
(um associado ao spin para cima do elétron e o outro associado ao spin para
baixo). Isto pode ser observado com técnicas espectroscópicas de alta resolução.
Observe que se este efeito ocorre para o átomo de hidrogênio, que possui apenas
um elétron, ele deve ser ainda mais pronunciado para átomos com vários
elétrons. Neste caso, os próprios movimentos relativos dos elétrons entre si
causam o aparecimento de campos magnéticos internos ao átomo, que interagem
com os momentos de dipolo magnéticos orbitais e de spin dos elétrons, gerando
energias potenciais que dependem dos números quânticos m
l
e m
s
.
10

Page 11
Portanto, pode-se prever que para átomos com muitos elétrons muitos dos níveis
de energia degenerados segundo a teoria quântica sem considerar as interações
entre o campo magnético e os momentos de dipolo magnéticos orbital e de spin
dos elétrons devem perder a sua degenerescência e poder ser observados como
separados. Isto é, de fato, o que é observado, mesmo quando não se coloca um
átomo com muitos elétrons em um campo magnético externo.
A introdução do spin do elétron na mecânica quântica requer a adição de um
quarto número quântico, m
s
, ao conjunto de números quânticos (n, l, m
l
) que sai
da equação de Schrödinger para caracterizar completamente o estado de um
elétron. Podemos, então, representar o estado do elétron por uma função de onda
s
l
m
nlm
ψ
,
que depende dos quatro números quânticos.
Na verdade, seriam necessários cinco números quânticos, por causa do número
quântico de spin, s, mas este sempre vale ½ e não é necessário usá-lo para
caracterizar o estado do elétron.
A função de onda acima pode ser entendida da seguinte maneira: ela tem uma
parte que depende das coordenadas espaciais e temporais (que vem da solução
da equação de Schrödinger),
l
nlm
ψ
, que é multiplicada por um termo que não
depende dessas coordenadas, mas que caracteriza o estado intrínseco de spin do
elétrico.
A noção de spin é algo que não sai da equação de Schrödinger. Ele tem que ser
introduzidos como um postulado na mecânica quântica para torná-la compatível
com os resultados experimentais. Da mesma forma,
o fator 2 que aparece
multiplicando
µ
B
na equação da transparência 9 para
µ
s
tem que ser colocado à
mão nas equações para que o modelo de spin de Uhlenbeck a Goudsmit seja
consistente com as medidas experimentais.
11

Page 12
Este fator 2 é chamado de fator g de Landé, e apareceu pela primeira vez em um
modelo fenomenológico feito pelo físico alemão Landé, em 1921, para explicar
as linhas espectrais do efeito Zeeman anômalo.
A razão pela qual o spin tem que ser introduzido como um postulado na
mecânica quântica é porque ela não é uma teoria relativística. Quando
Schrödinger deduziu sua equação, ele partiu da equação para a energia de uma
partícula da mecânica clássica (ver página 7 da aula 10). Portanto, quando se
aplica o princípio da correspondência de Bohr às equações da mecânica quântica,
o que se obtém como limite não-quântico é a mecânica newtoniana e não a
mecânica relativista de Einstein.
Em 1928, Dirac desenvolveu uma nova equação para uma descrição quântica do
elétron tomando como ponto de partida as equações da relatividade especial. Essa
equação é chamada de equação de Dirac. Ela pode ser vista como uma extensão
da equação de Schrödinger de uma partícula livre para o limite relativístico.
A equação de Dirac prevê que o elétron deve ter um momento angular intrínseco
e um momento magnético intrínseco com as mesmas propriedades de
quantização do modelo de spin de Uhlenbeck e Goudsmit (inclusive com o fator
g = 2 de Landé). Desta forma, a versão relativista da mecânica quântica do
elétron proporcionada pela equação de Dirac fornece um sólido suporte teórico
para a aceitação da teoria do spin do elétron. Além disso, ela confirma de vez que
o spin do elétron é uma grandeza física sem análogo clássico. Ele é uma grandeza
de natureza puramente quântico-relativista.
Não é objetivo deste curso tentar descrever a teoria de Dirac e nem os
desdobramentos da mecânica quântica relativística que ocorreram a partir de
1928 (já basta o sofrimento dos alunos em ter que entender a mecânica quântica
não relativística). Porém, é interessante dizer que a equação de Dirac (que é uma
equação para uma partícula livre que, portanto, deve ter estados de energia
positivos) prevê a existência de partículas com energias negativas.
12

Page 13
A equação de Dirac ainda prevê que essas partículas livres de energia negativa
têm a mesma massa e os mesmos valores possíveis de spin (±2) do elétron, mas
carga elétrica oposta (isto é, +e). Dirac interpretou essas partículas como sendo
anti-elétrons: partículas livres iguais ao elétron, mas de energia negativa e carga
+e. A equação de Dirac também prevê a existência de partículas de energia
positiva, que foram interpretadas por Dirac como sendo os elétrons.
Dirac foi além do seu resultado e previu que para cada partícula conhecida
(elétron, próton etc) deve existir uma antipartícula associada, com energia
negativa e carga oposta. Ele chamou essas partículas de antimáteria. Segundo a
sua teoria relativística, quando uma partícula de matéria e uma de antimatéria
colidem elas se aniquilam liberando energia (os cálculos indicam que apenas uns
poucos gramas de matéria e antimatéria colidindo liberariam energia em
quantidade suficiente para mandar um foguete da Terra à Lua). Por outro lado, a
teoria de Dirac também prevê que um par de partículas, uma de matéria e a outra
de antimatéria, pode ser formado a partir de pura energia.
Dirac interpretou a criação de um par partícula-antipartícula da seguinte maneira:
a sua teoria prevê a existência de estados quantizados de energia para uma
partícula livre; alguns dos estados são de energia positiva e outros são de energia
negativa. Os estados de energia negativa estão completamente preenchidos por
partículas virtuais. Em um dado momento, uma dessas partículas virtuais pode
ser excitada e passar para um estado de energia positiva. O estado de energia
positiva que é ocupado corresponde a uma partícula (um elétron, por exemplo) e
o estado de energia negativa que fica vazio (um buraco, no jargão da física das
partículas) corresponde a uma antipartícula.
A possibilidade de existência de partículas virtuais é outra das conseqüências da
mecânica quântica. Segundo o princípio de incerteza de Heisenberg,
2h
t
E
,
13

Page 14
ou seja, durante intervalos de tempo ∆t muito pequenos a incerteza na energia do
vácuo pode ser grande o suficiente para levar a uma flutuação de um estado de
energia negativa preenchido para um estado de energia positiva (segundo o
mecanismo proposto por Dirac).
Sendo assim, um par partícula-antipartícula poderia ser criado por uma tal
flutuação do vácuo. No entanto, essas partículas teriam uma existência muito
efêmera para serem detectadas e logo voltariam a colidir e desaparecer. Por isto
elas são chamadas de partículas virtuais.
Por exemplo, quando um par elétron-antielétron é criado por uma flutuação
quântica, a variação (incerteza) na energia é igual à soma das energias das duas
partículas menos zero (que é a energia que existia antes). Usando a famosa
fórmula de Einstein para a energia de uma partícula de massa m,
(
)(
)
J
10
x
62
,
1
m/s
10
x
3
kg
10
x
9
x
2
x
2
13
2
8
31
2
=
=
=
c
m
E
e
.
Substituindo esta incerteza na energia na fórmula de Heisenberg,
s
10
x
2
,
3
J
2x1,62x10
J.s
10
x
05
,
1
1
2
22
13
-
34
=
=
=
E
t
h
.
Este é um tempo curto o suficiente para evitar que o par elétron-antielétron seja
detectado.
Apesar de terem uma existência muito breve, os pares de partículas virtuais
podem deixar traços mensuráveis da sua breve aparição a partir do vácuo. Por
exemplo, um efeito da aparição de fótons virtuais é produzir pequenas variações
nos níveis de energia dos átomos que podem ser medidas. Eles também podem
provocar pequenas perturbações no momento de dipolo magnético dos elétrons
que podem ser medidas por técnicas espectroscópicas. Um efeito importante
devido à criação de partículas virtuais é o chamado efeito Casimir, previsto
teoricamente pelo físico holandês Casimir em 1948. Para saber mais sobre o
efeito Casimir, consulte a página http://physicsweb.org/article/world/15/9/6.
14

Page 15
Em 1932, o físico norte-americano Anderson descobriu os antielétrons previstos
por Dirac quando estudava trajetórias de raios cósmicos em uma câmara de
bolhas. Anderson denominou os antielétrons de pósitrons. A descoberta do
pósitron implicou na comprovação experimental da existência de antimatéria e
representou um grande triunfo para a teoria quântica relativística de Dirac. Por
isso, ele recebeu o prêmio Nobel de física de 1933.
Apesar da sua existência, a quantidade de antimatéria observada no universo é
muito pequena. Mesmo em laboratório, até o momento foram criados apenas
alguns poucos anti-átomos de hidrogênio por processos caríssimos e ineficientes.
A assimetria cósmica entre matéria e antimatéria coloca um problema para a
teoria do Big-Bang. Não há motivo físico pelo qual, no início do universo, teriam
sido criadas mais partículas de matéria que de antimatéria. A constituição do
nosso universo primordialmente por partículas de matéria é um enigma que ainda
não foi resolvido pela física.
No entanto, do ponto de vista da biologia é muito bom que o universo seja
dominado por matéria. Se houvesse uma quantidade apreciável de antimatéria no
universo, convivendo com matéria, o universo não seria estável e as condições
cósmicas que permitiram o surgimento da vida não existiriam.
A teoria relativística de Dirac para a mecânica quântica pode ser aplicada para a
construção de uma teoria do átomo de hidrogênio e dos demais átomos e
moléculas. Porém, as equações ficam ainda mais complicadas que as da equação
de Schrödinger e as implicações práticas do uso da teoria de Dirac só seriam
diferentes das fornecidas pela equação de Schrödinger no limite de átomos se
movimentando a altas velocidades. Portanto, vamos continuar aqui a pensar na
equação de Schrödinger como sendo a equação fundamental para a teoria atômica
e molecular, com o spin do elétron sendo descrito pelo modelo de Uhlenbeck e
Goudsmit apresentado anteriormente.
15