P.E.S. (Percepção Extra Sensorial )

Percepção Extra Sensorial, vulgarmente designada por pes, é a percepção ocorrendo independentemente de processos sensoriais conhecidos como a visão ou a audição. Se outras faculdades ou processos cognitivos, como a memória ou sonho, estão envolvidos no pes, não o estão de um modo que encaixe nas teorias ou conhecimento cientifico correntes. As principais categorias da PES são telepatia, clarividência, e précognição. A existência da PES é discutida, apesar de investigação experimental decorrer há cerca de um século.

Para um relato detalhado de como é facil os cientistas cometerem fraudes nesta área, leia o relato de James Randi das experiências de Uri Geller desenhadas e executadas por Russell Targ e Harold Puthoff do Stanford Research Institute. Ver o capitulo 7 de Flim- Flam! ou The Magic of Uri Geller. Mas a maioria das pessoas que acreditam em PES nunca leram os trabalhos de investigadores como Rhine, Puthoff e Targ, ou Tart e a sua crença não dependem da investigação cientifica dos pioneiros do paranormal. A maior parte dos crentes em PES não estarão minimamente interessados em que de um ponto de vista da fisica há um grande problema com o facto de a pesquisa psi considerar irrelevante a distância espacial no exercicio da PES. Todas as outras forças conhecidas na natureza se atenuam com a distância. Então, como Einstein apontou, "Isto sugere...uma forte indicação de que uma fonte não-reconhecida de erros sistemáticos possa estar envolvida (nas experiências PES)."[nota 1] Que maneira simpática de pôr a questão!

A maior parte dos crentes em PES não estarão interessados no estudo de um ano feito pela United States Air Force Research Laboratories que foi incapaz de verificar a existência de pes. O estudo VERITAC, nomeado pelo computador usado, é considerado insignificante pelos investigadores psi porque não suporta o seu ponto de vista. Mas duvido que tambem interesse ao crente médio, que não acredita que se possa confiar no governo quanto a estas questões. Há uma mentalidade paranóica que os acompanha: os governos mentem ácerca de PES e OVNIs porque não querem que saibamos o que estão a fazer.

Mais tipica é a crença baseada em anedotas pessoais e autoritárias. Esta toma a forma do sonho da Tia acerca da morte do pai mesmo antes de ele morrer, e o sonho era tão vivido e exacto que não é possivel de explicar por meios normais; portanto, algo de sobrenatural teve de ocorrer. Que mais pode explicar o sonho? Estes episódios são identicos às pessoais; são apresentadas por pessoas que admiramos, respeitamos, amamos ou que pensamos não ser o tipo de pessoa capaz de inventar estas coisas.

De que outro modo podemos explicar o fenómeno? Esta é a questão que se ouve vezes sem conta. Os crentes acreditam que há uma quinta força, que iludiu até agora todos os esforços da ciência para a detectar, que é responsável pela pes. Esta força pode estar por descobrir ou pode ser devida a uma intervenção sobrenatural, um milagre. O céptico pensa primeiro que a PES não existe ,a existir uma força poderosa e forte que seja indetectável mesmo quando somos capazes de detectar uma força muito mais fraca, a gravidade, sem qualquer problema. Quanto a milagres, estão reservados para situações unicas e grandes propósitos.

Primeiro: não elimino a possibilidade de pessoas predizerem o futuro. Fazemos isso a todo o momento, mas geralmente, se não sempre, fazemo-lo tendo em conta a experiência, conhecimentos, etc. Sem duvida que muita da nossa antecipação do futuro é inconsciente, mas é baseada em habilidades naturais e mundanas e não em poderes misteriosos ou sobrenaturais poderes.

Segundo: não penso que qualquer acontecimento no universo possa ou tenha de ser explicado.

Terceiro: não penso que um acontecimento que não pode ser explicado deva ser assumido como algo sobrenatural. Talvez não possa ser explicado porque não há nada para explicar. Por exemplo, tive um sonho em que entrava num quarto e o meu melhor amigo estava sentado de costas para mim. Ele morreu com uma hemorragia cerebral cinco semanas antes. Este sonho precisa de ser explicado? Porquê? E se tivesse o sonho cinco semanas antes de ele morrer, teria de o explicar? Sonhei que um avião caía em São Diego. Dez anos depois cai um avião em São Diego. Sou vidente? O meu sonho tem de ser explicado? Se sim, penso que há explicações que dispensam o recurso a poderes sobrenaturais.

Por ultimo: há cerca de 20 biliões de sonhos por noite neste planeta e seria estranho se nenhum correspondesse de formas vagas ou precisas a acontecimentos actuais, passados ou futuros. A maior parte dos sonhos relatando pessoas a morrer, aviões a cair, edificios a cair, etc, não teem relação com acontecimentos reais. Se um numero significativo de sonhos da mesma pessoa correspondesse a factos reais, então recomendaria que se investigasse a sério os mecanismos envolvidos. Talvez este poder possa ser usado para o bem da raça humana. A maior parte de nós tem ansiedades e preocupações sobre os que amamos e temos sonhos frequentes sobre bom e mau recaindo sobre os nossos. Penso que temos de admitir que a maior parte desses sonhos representam medos e preocupações reais. Esquecemos a maior parte desses sonhos. Mas, se sonhamos que a nossa mãe morre e ela morre no dia seguinte, há uma tendencia natural para pensar que, de algum modo, o sonho era um presságio. Sabemos tambem, de muitos estudos sobre a memória, que muitos dos detalhes das nossas memórias são preenchidos após os factos, i.e., recordamos coisas que só sabemos após os factos que testemunhámos ou experimentámos, e incorporamos esses dados nas nossas memórias de acontecimentos anteriores.[nota 2] É provável que as memórias dos sonhos sigam o mesmo padrão. A precisão dos sonhos clarividentes pode bem vir dos dados fornecidos após o sonho mas recordados como sendo parte do próprio sonho.

Uma coisa que os defensores do psi teem em comum é fé. Só isso explica que forneçam montes de dados empiricos que suportam as suas afirmações mas ignoram toda a evidência que indique que as suas afirmações são erradas. Portanto, a fé deles não é completamente irracional--crenças desprezando a evidência. A fé deles é o tipo de fé controlada que marca a crença religiosa. As provas contam, mas só se suportam a crença. Isto trivializa o conceito de evidencia e explica, em parte, porque tantos testes empiricos sobre o psi são inadequadamente desenhados, controlados e executados. Tambem explica porque é que toda a racionalização vai no sentido de explicar falhanços em confirmar as hipoteses psiquicas. Eis um exemplo tipico de racionalização e evasão por um investigador cientifico de fenómenos psiquicos, Dr. Charles Tart, professor reformado de psicologia na Universidade da California em Davis, agora no Institute of Transpersonal Psychology. O que se segue é uma carta que ele escreveu ao New York Review (19, Fev, 1981) em resposta a criticas de Martin Gardner ao seu trabalho. (usei itálicos para chamar a atenção para como Tart tenta usar a linguagem para reforçar a noção de que é um reputado cientista e Gardner um aldrabão.)

Vejo que Martin Gardner está novamente a usar este popular jornal como um veiculo para atacar a minha investigação cientifica que foi relatada no meu artigo Learning to Use Extrasensory Perception (University of Chicago Press, 1976) [NYR, May 15]. Como cientista trabalhador, estou empenhado em relatar e tratar todos os factos dos meus estudos, quer concordem com as minhas crenças ou não. Dados são primários. Gardner, pelo contrário, aparentemente sabe o que é verdade e falso de um modo absoluto, de modo que quando os factos são inconvenientes para as suas crenças ele suprime-os ou racionaliza-os. Ele sabe que PES é impossivel, pelo que quando é confrontado com provas disso, imagina que os experimentadores são loucos, fraudulentos ou ambos. Gardner não necessita de provas para isso, as suas suspeitas são suficientes. A maior parte das pessoas consideraria as suas acusações casuais e não suportadas de fraude contra um dos meus mais bem sucedidos experimentadores, Gaines Thomas (hoje um psicoloo profissional ), como um libelo malicioso, mas suponho que o sr. Gardner acredita estar apenas a defender-nos de nós mesmos....

Gardner apresenta uma teoria claramente inadequada (acerca de possiveis erros e/ou fraude nos trabalhos de Tart e outros) para uma audiência literária como se fosse válida. O leitor interessado é convidado a ler as comunicações citadas antes (Tart tinha citado vários artigos no Journal of the American Society for Psychical Research) para julgar os factos por si. Há outras distorções no artigo de Gardner que não vou perder tempo a corrigir: são tipicos dos escritos de Gardner sobre parapsicologia.

Quando verdadeiros cientistas teem criticas a trabalhos de outros, o procedimento standard é submeter as criticas a jornais técnicos apropriados. A submissão é revista por outros cientistas para relevância e competencia e então publicada. Duvido que o artigo de Gardner tivesse passado este processo de referencia num jornal cientifico legitimo. Um leitor pode começar a pensar porque é que Gardner apresenta este quadro destorcido e incompleto de uma séria investigação cientifica ao publico geral representado pelos leitores da Review.

As implicações da PES para a compreensão da natureza humana são enormes, e exigem  uma pesquisa cientifica de alta qualidade e extensiva. Uma recente pesquisa feita por mim mostrou cerca de doze cientistas trabalhando nela a tempo inteiro, com o mais desadequado orçamento de pouco mais de meio milhão de dólares em todos os Estados Unidos. O tema é demasiado importante e demasiado subinvestigado para se perder tempo com pseudo-criticos como Mr. Gardner que está a tentar manipular a opinião publica, em vez de contribuir para o progresso cientifico.

A primeira coisa a notar é como Tart tenta reforçar a ideia que ele e os seus são verdadeiros cientistas, que a sua unica preocupação é a verdade, eles só juntam dados e os factos que falem por si. Note que Tart  insiste uma e outra vez na sua seriedade e integridade. Note ainda como ele reinforça a ideia de que ele e os seus doze colegas estão a tentar fazer um sério trabalho de investigação num assunto com alto significado para a espécie humana, enquanto são perseguidos e injustamente atacados por oponentes malévolos.

Não posso afirmar ao certo se a Tart não falta integridade e seriedade. Contudo, não parece ser um grande cientista, pois apesar de parecer saber, omite dados relevantes que refutam as suas hipóteses de PES; prepara experiências fracamente controladas; racionaliza as falhas de modo a confirmar as suas teorias; distorce as afirmações dos criticos; e não responde a perguntas que minem a integridade dos seus estudos. 

Ele parece estar a mentir quando diz estar empenhado em relatar todos os factos dos seus estudos e que os dados são primários. Um dos principios metodologicos primários da experimentação cientifica "real" é que um unico teste de uma hipótese causal que resulta em dados estatisticos que indicam uma correlação entre dois ou mais eventos não deve ser tomada como prova de conexão causal. Não apenas Tart faz afirmações extravagantes na base de um unico conjunto de experiencias, mas quando repetiu a experiencia com melhores controles do que na primeira vez (em que uma peça chave do equipamento estava a funcionar mal como demonstrado por matemáticos da UC Davis), foi incapaz de reproduzir os fantásticos resultados da primeira experiência. Contudo, ele trivializa este facto no seu livro. Sherman Stein, um dos matematicos que determinou que o gerador aleatório usado nos primeiros testes era deficiente, perguntou a Tart quando ia fazer os testes com um gerador correcto e Tart respondeu que já os tinha feito. Os resultados eram negativos (i.e., os dados eram os que seriam de esperar devido ao acaso) mas Tart racionalizou que os dados contrários eram devidos a sujeitos menos dotados, sob maior pressão e a estarem "constantemente sujeitos a falhas da máquina" ns segunda experiência [Randi, FlimFlam!, 153], [Gardner, Science Good,Bad & Bogus, p. 211].

Tart tenta manipular a opinião contra Gardner sugerindo coisas que sabe não serem verdade. Por exemplo, Gardner tem escrito sobre PES e outros fenómenos paranormais hà anos. Nunca indicou qualquer apoio à noção de que ele ou alguem pode ter conhecimento a priori sobre pes. Gardner nunca disse, que eu saiba, que PES é impossivel. Parece estranho que um homem que pensasse que todos os fenómenos psiquicos são a priori impossiveis passe uma vida a investigá-los! E parece razoável que se caso após caso, sem uma unica excepção, a investigação só traz provas de fraude, auto-decepção, erros, wishful thinking, incompetência, etc, uma pessoa tivesse razão em rejeitar uma nova afirmação que viesse da mesma área. E contudo, Gardner nunca faz isso. Ele dá ao mais estupido dos estupidos o mesmo tempo de tribunal que ao mais esperto dos espertos. Admiro-o por isso, e considero que presta um serviço publico. É Tart e outros parapsicólogos que agem como se soubessem a verdade sobre a PES de um modo absoluto e que racionalizam os factos que contradizem a sua teoria. São eles que não precisam de evidências. Ficamos a pensar que eles consideram as suas experiências um mal necessário que teem de fazer para satisfazer os outros.

É tambem provável que Tart saiba que Gardner não o acusa de fraude. Gardner aponta apenas o facto de que o desenho da experiência era tão fraco que os resultados fácilmente podiam ser obtidos por fraude. Um bom experimentador - um verdadeiro cientista? - especialmente num campo com uma longa história de fraude e incompetência, devia tomar todas as precauções para impedir os resultados de serem manipulados.[nota 3] Penso que qualquer experimentador psi deve esperar ser investigado e portanto deve desenhar experiências onde a batota seja impossivel. Alguem confiaria na fisica ou na quimica se estas estivessem recheadas de fraudes e incompetentes como a parapsicologia?

Tart está correcto ao afirmar que os artigos cientificos são julgados por cientistas antes de serem publicados. Está, contudo, errado quando afirma que um artigo é publicado se passa o teste da "competencia e relevancia." São necessárias, mas não condições suficientes para a publicação. Mas não duvido que seja suficiente para o Journal of the American Society for Psychical Research. Se Tart quer chamar-lhe um jornal "cientifico" pode fazê-lo, mas porque parar aqui? Tambem o podemos chamar às Selecções do Reader's Digest.

A afirmação de Tart de que Gardner "apresentou uma teoria claramente inadequada como se fosse válida" é tão rica e ressonante com ironia que não merece mais que uma gargalhada. Igualmente para a afirmação de Tart de que "Gardner apresenta...um quadro distorcido e incompleto de uma pesquisa cientifica séria...."

Quanto à afirmação de Tart quanto ao significado da PES e da investigação da PES, apenas espero que Tart esteja correcto num ponto: que apenas existam ele e mais doze cientistas trabalhando a tempo inteiro em pes. Num mundo racional seriam 13 a mais.


Links


Notas

  1. Duma carta para o Dr. Jan Ehrenwald, 13 May 1946, traduzido e publicada em Martin Gardner Science Good Bad and Bogus, p. 153.
  2. Ver Gary L. Wells and Elizabeth F. Loftus, editores, Eyewitness Testimony : Psychological Perspectives (Cambridge; New York: Cambridge University Press, 1984).
  3. Para um relato das experiências de Tart, ver o seu Learning to Use Extrasensory Perception, Gardner Science Good Bad and Bogus, cap. 18; Randi Flim-Flam!, p. 152ff; e David F. Marks, "The Case Against the Paranormal," Fate, Janeiro 1989, republicado como "Paranormal Phenomena Can Be Explained," Paranormal Phenomena/ Opposing Viewpoints (San Diego: Greenhaven Press, 1991), p. 21.

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